Ninguém Abandona sem Dor Aquilo que com Prazer Adquiriu

Eu tenho agora 39 anos da idade. Trabalho profissionalmente desde os dezoito. Nesses anos todos eu trabalhei apenas em pequenas empresas. Não porque fui rejeitado pelas grandes empresas – pelo contrário -, mas porque eu sempre escolhi por livre e espontânea vontade trabalhar em pequenas empresas. Nunca me arrependi disso. Eu sempre acreditei que poderia aprender muito mais convivendo com as pequenas empresas do que trabalhando para as grandes empresas.

Nessas duas décadas eu conheci centenas de pequenas empresas e pequenos empresários. Uma coisa eu aprendi nesse tempo todo: “pequena empresa é sempre pequena empresa”.

95% das pequenas empresas que conheci nesses vinte anos continuam sendo pequenas empresas. Elas continuam faturando a mesma coisa, apesar da “vontade” – pelo menos no discurso -, dos seus pequenos empresários em crescer 20% ao ano e conquistar o mundo. Eles simplesmente não conseguem sair do lugar.

Muito se fala que sete a cada dez empresas que abrem no Brasil fecham antes de completar cinco anos de idade. Eu penso que outra estatística deve ser acrescentada a esse discurso: oito a cada dez pequenas empresas que abrem no Brasil, depois que passam pelos cinco anos de existência, continuam pequenas ou ainda menores.

Eu penso que a partir de um certo momento, os pequenos empresários falam de crescimento por falar. Eles prometem 20% de crescimento por osmose. Porque todo mundo diz isso. Eles vão na conversa do William Bonner da televisão, ou do fornecedor e seus planos nada a ver com nada, ou mesmo da sua cabeça fantasiosa.

Eu descobri também que alguns empresários falam 20% de crescimento de pura sacanagem. É a maneira que eles encontram para reter os novos funcionários que precisam de algum tipo de esperança para se motivar.

O rotatividade de funcionários dentro de uma pequena empresa é muito grande. Para você ter uma idéia, não há um santo dia sequer que algum funcionário que trabalha em uma pequena empresa não ligue na empresa para dizer que está com alguma dor de barriga e não poderá comparecer ao trabalho.

Eu penso que as pequenas empresas deveriam instituir nos seus negócios um placar a lá CIPA. Enquanto a CIPA mostra na entrada da fábrica que “estamos há 134 dias sem acidente de trabalho”, o pequeno empresário poderia colocar na entrada do escritório “estamos há 54 dias sem ninguém faltar ao trabalho”.

Os mais novos funcionários acreditam no discurso de crescimento do empresário por alguns meses e se deixam contaminar pelo entusiasmo; os funcionários mais antigos, conhecendo o chefe como conhecem, sabem que o discurso não passa de papo furado. O crescimento não vai acontecer, o que vai rolar é muito stress, esquisitices, picos de faturamento no mês de março e agosto, e vários vales de faturamento ao longo dos outros meses. Entretanto, a impossibilidade de conseguir um trabalho melhor em melhores empresas, levam esses funcionários pangarés a engolirem o sapo, rir pelas costas do empresário, e continuar tocando suas vidinhas sem causar muitos estragos ou melhorias.

O americano gosta muito de dizer que “loser always a loser”. De uma certa maneira o americano está certo. Dificilmente conseguimos mudar os nossos hábitos. Se você fizer uma sacanagem com uma pessoa, provavelmente fará novamente com outras vinte vezes na sua vida. Vai ver que todo mundo tem a sua própria natureza e passará a vida inteira lutando contra ela sem conseguir grandes vitórias ao longo do percurso.

A boa notícia é que 20% das pequenas empresas conseguem crescer e chegar em algum lugar.

O que esses pequenas empresas fazem para escapar da fase de picos e vales, funcionários pangarés e suas constantes dores de barriga, clientes que não dão ouvidos ao suposto valor que elas agregam, e fornecedores que as tratam como seres insignificantemente pequenos?

1. Elas se tornam paranóicas por lapidar o seu grande diferencial.

É incrivelmente difícil ter foco quando se é uma pequena empresa ou quando estamos sozinhos. Parece contraditório, mas na prática o indivíduo acaba tendo que vestir diferentes chapéus na empresa, e sua mente acaba por se perder no debate sobre quem ele é de verdade.

Aqueles que sobrevivem a fase de ser pequeno são os empresários paranóicos por foco. Em meio a batalha do dia-a-dia, os caras procuram direcionar as suas empresas para negócios que os tornam melhores em um único e determinado negócio. Eles procuram direcionar suas empresas para clientes que eles preferem trabalhar, e se afastam dos negócios que dão muito trabalho e pouco dinheiro. Eles pegam alguns negócios não lucrativos e desfocados, mas procuram diminuir a participação desse tipo de negócio.

É difícil, muito difícil. A empresa nasce para ser uma “consultoria de gestão”, e no decorrer dos primeiros anos acaba por atrair todo tipo de cliente que “pensa” que precisa de uma consultoria de gestão quando na verdade precisa de algo completamente diferente, ou as vezes parte dessa matéria.

É fácil para qualquer um aqui dizer para o cara rejeitar um negócio que não tenha a ver com o foco dele, mas completamente diferente quando você passa a ser o cara que está sendo seduzido por um aparente grande negócio e tem várias contas para pagar.

É difícil, mas não impossível. O pequeno empresário tem que ser paranóico por encontrar o seu cliente ideal, o seu nicho ideal, a sua comunicação ideal, a sua política de preços ideal. Além de continuar o processo de lapidação das pessoas ideais, metodologia ideal e presença ideal.

Eu estou falando sobre marketing. Marketing é como jogar War. Mesmo que o seu objetivo no jogo seja conquistar a Europa, a Oceania e um terceiro continente a desejar, na hora que chegar a sua vez de jogar, a melhor estratégia a seguir é colocar todos os seus pedrinhas em Vladivostoki para arrasar a Mongólia, e depois, talvez, nessa rodada, chegar até a China. Aquele que espalha os soldadinhos por diferentes territórios achando que vai faturar os três continentes simultaneamente com parcos resultados, vai acabar a rodada com os mesmos territórios, e pior, enfraquecido para enfrentar os adversários.

2. Elas constroem a estratégia de baixo para cima, de cima para baixo, da esquerda para a direita, da direita para a esquerda.

Sim, é importante ter um plano. Mas ainda mais importante é ter um plano que todos os sócios da empresa concordem em praticá-lo. E mais importante ainda é ter um plano que todos os funcionários, ou pelo menos a grande maioria, entenda qual é a sua participação na execução do plano.

As pequenas empresas que crescem são aquelas que os donos da empresa resolvem colocar os seus objetivos pessoais abertamente sobre a mesa e juntos estressam o assunto do objetivo da empresa até que a última gota de sangue se esgote.

Nada tira mais o tesão de uma pessoa do que dizer a ela “Vá, faça isso, quero resultado em 24 horas”, sem envolvê-la na discussão do que ela tem que fazer.

As pequenas empresas que crescem são aquelas que discutem exaustivamente as diferentes possibilidades que tem pela frente com o envolvimento do máximo possível de pessoas. Rola um “toró de parpite” brabo, rola uma discussão cansativa sobre diferentes cenários “E Se fizermos isso, E Se fizermos aquilo”, rola pesquisa de mercado, rola investigação. Os pequenos empresários vestem o chapéu de enxadristas e procuram visualizar os diferentes desdobramentos que as diferentes decisões terão.

3. Elas consultam um consultor.

As pequenas empresas crescem porque pedem ajuda a quem conhece mais do que elas em determinados campos do conhecimento. Eu conheço diferentes pequenos empresários que são totalmente contra o uso de internet nos seus negócios porque dizem que já tentaram utilizá-la mas não deu certo. O fato é que eles tentaram sozinhos, com o parco conhecimento que tem, no chutômetro, sem qualquer conselho de profissionais que entendem melhor do que eles no assunto. As pequenas empresas que crescem mantêm contato com pessoas que tem séria e relevante experiência com a questão que elas precisam de ajuda.

Para crescer, o pequeno empresário tem que perder qualquer preconceito que tenha com relação a consultores. Ele tem que reconhecer que não entende de tudo, e contratar especialistas para ajudá-lo.

4. Elas ficam de olho na indústria do vizinho.

Fundada em 2000 nos EUA, a Zipcar reinventou o negócio de aluguel de carros ao criar o conceito de carsharing. A Zipcar é um sucesso em todos os sentidos. Os clientes são fãs do negócio, e o faturamento vai bater um bilhão de dólares em 2010. O conceito da Zipcar chegou ao Brasil em Julho através da Zazcar em São Paulo. Os fundadores da Zipcar idealizaram a empresa quando olharam para fora do negócio de aluguel de carro. Eles foram buscar a inspiração para a Zipcar na Netflix, que havia reinventado o negócio de aluguel de filmes anos antes.

Os pequenos empresários que crescem são aqueles que somam as suas empresas idéias que não são comuns no seu mercado. Por exemplo, quando teremos uma padaria com drive-thru, ou mesmo uma pizzaria com drive-thru para os clientes poderem fazer a compra diária de seis pãezinhos e um litro de leite ou uma pizza com mussarela sem sair do carro a lá McDonalds?

Enfim, crescer é muito difícil. Tão difícil quanto deixar a criança que somos para trás para nos tornar um adulto “aceitável” entre os gigantes; tão difícil quanto trocar os hábitos de solteiro pelos hábitos de casado; tão difícil quanto ser chefe quando fomos um excelente funcionário técnico. Alguns simplesmente não conseguem, outros desistem – não estão afim de se comprometer com a decisão que tomaram, outros pedem ajuda e evoluem mesmo que a dor de abandonar aquilo que com prazer adquiriram seja muito grande.

NADA MENOS QUE ISSO INTERESSA.

QUEBRA TUDO! Foi para isso que eu vim! E Você?